sábado, 23 de janeiro de 2010
Sobre o Conto: Sadicidez
Sadicidez
O chapéu era o que o fazia passar despercebido por onde passava. Sua palidez era incrivelmente acentuada e seus cabelos tão louros que chegavam perto da branquidão de cabelos envelhecidos. Era estranha sua atitude, sempre com suas vestimentas negras ou escuras, o máximo que se propunha a usar eram chapéus ou sobretudos na tonalidade mais forte de cinza, em meio a uma cidade onde temperaturas abaixo de trinta graus são extremamente raras no verão. Independente da estação, clima ou temperatura ele não mudava nada em seus velhos e tediosos hábitos, muito menos sobre sua vestimenta. Quanta ousadia desse tal de clima!
Andava em direção ao centro da cidade, estava à procura de um apartamento. Sua vizinha, Angelina, de oitenta e cinco anos acabara de morrer. Morrera há três dias, e ele não conseguia mais dormir ou conviver naquele ambiente tão silencioso sem ouvir os grunhidos agonizantes de Angelina, sem seu ataque asmático. Ah, como adorava aqueles momentos, ela saia de si e, consequentemente, o levava junto. Cada murro na parede, justificado pela agonizante falta de ar, era Schopenhauer a seus ouvidos. Mas infelizmente em uma de suas crises, seu corpo não mais aguentou e dona Angelina, branca e fria, partiu para nunca mais esmurrar violentamente sua parede sabe-se lá que cor, afinal ele nunca entrara na casa de sua colega de condomínio. Como já era viúva a casa ficou lá, posta a venda. Essa era a hora de mudar-se!
A vida do alto louro homem foi seguida de mudanças, ele nunca teve facilidade para se sentir bem em algum lugar. Desde pequeno suas arqui-inimigas eram as formigas. Não podia passar um dia sem pisar levemente sobre elas e observá-las agonizando. Imaginava que, se falasse como os humanos, com certeza estaria o bombardeando com xingamentos e maldições. Isso lhe fazia muito bem, ver a agonia de alguém, mas logo após o sofrimento duradouro do minúsculo ser, a morte chega. Aprendera cedo e conturbadamente a lidar com a morte, já que esta vinha somente para tirar-lhe o prazer de ver alguém sofrer. Em momento algum passara por sua cabeça que a morte para o participante do seu show sádico viera como uma luva de salvação do sofrimento. As coisas jamais para este garoto e, hoje, para este homem podiam ser multilaterais.
O dia hoje estava com uma cara estranha, uma estranha confiança tomava-lhe conta. Faz dois dias que anda por todos os lados a procura de apartamentos. Antes de entrar e analisá-lo internamente, o prédio deve passar por sua perícia exterior. Não que deva ser arquitetonicamente niemeyeriano, inclusive não o deve, só precisa ser confortável intuitivamente. Odeia ambientes muito circulares, causa-lhe uma estranha sensação de redundância, estaticidade. Ficar no mesmo lugar é algo inaceitável. Normalmente também não gosta de vermelho, má impressão.
Chegara ao centro. Hoje iria visitar um prédio chamado Manhattan, mas desistiu graças ao nome. Odiava essa mania global de nomes estadunidenses dando a impressão de o prédio ganhar brilho aos olhos das mentes ignorantes. É só mais um dos ridículos nomes de uma nação duas vezes mais ridícula. Pegava-se parado ali, só relembrando disso. Como a raiva tomava-lhe conta rapidamente. Espantava-se consigo, ao mesmo tempo que começa a pensar, suas revoltas já vinham-lhe à cabeça, era tão rápido quanto a velocidade da luz.
Sempre se distraia, estava ali para a procura de um apartamento. Sua mente era como uma multinacional, poluidora de bons ares, trabalhava constantemente. Se deixasse seus pensamentos livres, talvez explodiria com suas amarguras sociais.
Agora resolvera focar-se. Baniu-lhe pensar além de seus objetivos desta tarde. Cansara de sua mente o tempo todo o perturbando, resolvera dar um descanso e iria ver o maldito apartamento, para que o seu estúpido sono voltasse ao normal. “Às vezes poderia voltar a dormir só mudando de local. Aquele apartamento é que estava acostumado com os grunhidos de Angelina, não eu”. Enganava-se inconscientemente.
Já passara das quatro da tarde, fora a dois apartamentos desde às sete da manhã. Era muito meticuloso, após o prédio passar por sua aprovação ele entrava e procurava lugares vagos e subia para vê-los. Mas tinha que passar um tempo ali, sozinho, no mínimo três horas, assim poderia avaliar seus sentimentos.
Chegara a um prédio amarelo, começara bem. Adorava a cor e não preocupava-lhe o preço. Subiu as escadas de pedras, e abriu a porta de vidro que separava os ambientes. Subitamente sentiu uma boa energia. Empolgado foi ao recepcionista e explicou-lhe toda a sua situação. Que habilidade com as palavras! Seu dom natural de conseguir tudo o que quer aprimorou-lhe outros sentidos necessários. Entrou no elevador com o corretor, mesmo sem marcar hora conseguira o atendimento imediado. Não sabia ao menos se havia apartamentos ou se estavam livres, mas algo o guiara até ali. Enganou-se ao entrar nos outros condomínios, mas neste tinha certeza de que algo de bom iria acontecer.
Oitavo andar. Seria este seu futuro andar? Apartamento oitenta e quatro. O velho homem que o seguira desde a recepção destrancara a porta e um cheiro de lugar abandonado subiu para todo o corredor. “Coitado dos moradores, devem estar sentindo esse cheiro terrível”. Este pensamento o satisfazia por dentro, na verdade queria gargalhar pensando nas possíveis situações que as pessoas poderiam estar enquanto o cheiro subia. Passou. Focou-se. Agora era hora de analisar.
Agora entendia o porque do cheiro. O pior apartamento. A vista era uma das piores, só se via prédio. Não devia ser alugado a um bom tempo. Abandonado. Não havia mais nada do que uma paisagem cinza e tediosa. Agradara-lhe. Mais um sinal de sua sorte.
Pediu gentilmente que o cavalheiro se retirasse para que ele pudesse analisar o apartamento sozinho. Era tão hábil que o senhor deixou-o sem um resíduo de desconfiança sobre alguma possível malícia.
O tempo passara, as coisas lhe agradavam, mas esperava mais. Se as coisas continuassem neste ritmo não seria o suficiente para fazer-lhe mudar-se pra cá. E o queria. Alguma coisa dizia que era pra fazer isso, mas suas amarras psicológicas e seus motivos sem fundamentos não o deixavam decidir. “Vou relaxar” pensou, caminhou em passos curtos até a varanda. “Que sorte, a porta está aberta”. Encostou na parede, pegou um cigarro e acendeu-lhe. Enquanto degustava olhava para a casa que correspondia a janela de outro prédio. Pelos seus cálculos visuais aquele apartamento deveria corresponder a um andar abaixo do seu. Um casal. Passou a prestar maior atenção na situação até que de repente o homem atira um prato na mulher. Avança nela, puxa-lhe os cabelos, soca-lhe a cara. Ela tenta reagir, morde-o mas a cada reação sangra mais. Era incrível, parecia que seus golpes cometidos eram friamente calculados, sabia onde faria ela recuar ou que não causasse um dano mortal que obrigasse-o a levá-la ao hospital ou a algum tratamento.
Um sorriso rasgou-lhe a boca. Uma risada, uma longa e deliciosa risada. Agora entendera as energias que sentira ao entrar aqui. Sabia que algo aconteceria. Maravilha. Todos os defeitos do apartamento oitenta e quatro agora se ofuscaram à beleza dos acontecimentos do apartamento à frente. Agora a briga terminava, com o homem dando um lindo tapa na cara da mulher cansada, aos prantos. Caída, sem forças, o homem puxou-a até o que parecia ser o quarto do casal e trancou-a ali.
terça-feira, 19 de janeiro de 2010
Conto - No Final de Semana
Eu insistia "Você está bem" e ela insistia "Não estou".
Ela acabou vencendo e não fomos viajar naquele final de semana.
- Nunca mais te convido pra sair! - Disse eu para mim mesmo, obviamente.
A semana passou. Veio o outro final de semana e ela veio junto dizendo "Vamos sair?".
A alegria me pegou de surpresa me fazendo pensar apenas em duas palavras: "Claro!" e "Sim!".
Com agilidade, minha inteligência organizou estes únicos termos que ocupavam toda a minha mente naquele momento e respondi "Sim, claro!". A intuição me mandou acrescentar "Por que não?" e o carinho quase no fim do fôlego disse "Seria ótimo!".
Senti meu sangue correndo novamente!
E ela perguntou "Será que estou bem?". Engoli seco meu sorriso e quase junto os meus lábios. Meus olhos a miravam como se fosse um experimento científico, uma espécie de rato de laboratório. Ignorando a inteligência, intuição, carinho e qualquer outra porcaria dessas respondi friamente "Como sempre."
Distraída com o vestido, ela respondeu "Obrigada, querido. Então vamos."
A inteligência me apareceu novamente me dizendo "Tem sorte de ela não ter te encarado..."
- Por Renato Seabra.
sábado, 16 de janeiro de 2010
Aos sonhadores...
Caçador de Mim
quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Ouvi dizer que há reinos encantados por ai, onde coisas muito esquisitas acontecem:
domingo, 10 de janeiro de 2010
ARTE
Me levam as núvens
O espírito se acalma
E o corpo vibra ao som e batidas
Dança, flutua e solta....
A cada estrofe é como uma parte da história
Tudo se mistura
Corpo, alma, vida
O que não é a vida senão uma eterna dança?
Paz ao som, euforia ao tom, melancolina as notas, alegria a percusão e tantas outras formas de junção.
Dançar, dançar, dançar
Rebola, sapateia e equilibra
E ao som da vida se vive
E ao som da natureza se aperfeiçoa
E ao som da música se eleva
Notas, rítmos, melodias,
A cada pauta o artista compõe o som do próprio viver.
Àgata
sexta-feira, 8 de janeiro de 2010
É preciso saber amar...

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010
Paisagem do interior

Matuto no mêi da pista
menino chorando nu
rolo de fumo e beiju
colchão de palha listrado
um par de bêbo agarrado
preto véio rezador
jumento jipe e trator
lençol voando estendido
isso é cagado e cuspido
paisagem de interior.
Três moleque fedorento
morcegando um caminhão
chapéu de couro e gibão
bodega com surtimento
poeira no pé de vento
tabulêro de cocada
banguela dando risada
das prosa do cantador
buchuda sentindo dor
com o filho quase parido
isso é cagado e cuspido
paisagem de interior.
Bêbo lascando a canela
escorregando na fruta
num batente, uma matuta
areando uma panela
cachorro numa cadela
se livrando das pedrada
ciscador corda e enxada
na mão do agricultor
no jardim, um beija-flor
num pé de planta florido
isso é cagado e cuspido
paisagem de interior.
Mastruz e erva-cidreira
debaixo dum jatobá
menino querendo olhar
as calça da lavadeira
um chiado de porteira
um fole de oito baixo
pitomba boa no cacho
um canário cantador
caminhão de eleitor
com os voto tudo vendido
isso é cagado e cuspido
paisagem de interior.
Um motorista cangueiro
um jipe chêi de batata
um balai de alpercata
porca gorda no chiqueiro
um camelô trambiqueiro
avelós e lagartixa
bode véio de barbicha
bisaco de caçador
um vaqueiro aboiador
bodegueiro adormecido
isso é cagado e cuspido
paisagem de interior.
Meninas na cirandinha
um pula corda e um toca
varredeira na fofoca
uma saca de farinha
cacarejo de galinha
novena no mês de maio
vira-lata e papagaio
carroça de amolador
fachada de toda cor
um bruguelim desnutrido
isso é cagado e cuspido
paisagem de interior.
Uma jumenta viçando
jumento correndo atrás
um candeeiro de gás
véi na cadeira bufando
radio de pilha tocando
um choriço, um manguzá
um galho de trapiá
carregado de fulô
fogareiro abanador
um matador destemido
isso é cagado e cuspido
paisagem de interior.
Um soldador de panela
debaixo da gameleira
sovaqueira, balinheira
uma maleta amarela
rapariga na janela
casa de taipa e latada
nuvilha dando mijada
na calçada do doutor
toalha no aquarador
um terreiro bem varrido
isso é cagado e cuspido
paisagem de interior.
Um forró de pé de serra
fogueira milho e balão
um tum-tum-tum de pilão
um cabritinho que berra
uma manteiga da terra
zoada no mêi da feira
facada na gafieira
matuto respeitador
padre, prefeito e doutor
os home mais entendido
isso é cagado e cuspido
paisagem de interior.
quarta-feira, 6 de janeiro de 2010
terça-feira, 5 de janeiro de 2010
Beijos
E o beijo é a própria vida
a invenção mais divina e humana do Senhor
é o fogo em que se abrasa uma alma a outra alma unida
é o prólogo e também o epílogo do amor!
A lua beija o mar, nas ondas refletida
o sol, beijando o céu, reveste-o de esplendor
num beijo o orvalho alenta a planta emurchecida
e a borboleta suga o mel beijando a flor...
Deixa que o meu amor expanda os seus desejos
beijando os lábios teus sem nunca se fartar!
Chega ao meu coração, escuta-lhe os latejos!
A boca perfumada, ó deixa-me beijar!
Porque somente amando é que se trocam beijos
e porque só beijando é que se aprende a amar!
Guilherme de Almeida
segunda-feira, 4 de janeiro de 2010
O cavalinho branco
À tarde, o cavalinho branco
está muito cansado:
mas há um pedacinho do campo
onde é sempre feriado.
O cavalo sacode a crina
loura e comprida
e nas verdes ervas atira
sua branca vida.
Seu relincho estremece as raízes
e ele ensina aos ventos
a alegria de sentir livres
seus movimentos.
Trabalhou todo o dia, tanto!
desde a madrugada!
Descansa entre as flores, cavalinho branco,
de crina dourada!
Cecília Meireles
Liberdade
Um passo de cada vez.